domingo, 17 de abril de 2011

SÉRIE: História Política de Conquista - 4

Pedral Sampaio no seu primeiro mandato, administrou o Município por apenas 13 meses

Anos 60

O relacionamento político dominado por interesses apenas particulares e familiares, no entanto, entra em crise. Em 1962, uma coalizão de partidos, com a presença de personalidades situadas tanto da esquerda do processo, em sentido sociológico, quanto do centro e até mesmo da direita, despoja do mando administrativo local um núcleo familiar exclusivista. José Fernandes Pedral Sampaio era o novo líder emergente dessa coalizão.

O engenheiro civil José Fernandes Pedral Sampaio, que surgiu no cenário político em 1958, sendo, inclusive, derrotado por Gérson Sales, teve uma expressiva votação neste pleito e se credenciou como uma alternativa para a oposição nas próximas eleições. Foi eleito prefeito em 7 de outubro de 1962. Assumiu a prefeitura em 7 de abril de 1963 e governou o município até 6 de maio de 1964, quando ocorreu o Golpe Civil-Militar de 31 de março de 64 pelas Forças Armadas, que o impediu de administrar o município, pois o novo regime decretara o seu "impeachment", onde seu mandato fora cassado e seus direitos políticos suspensos por 20 anos. Administrou o município por apenas 13 meses.

As eleições de 1962 foram bem polarizadas em Vitória da Conquista. Apesar de concorrerem ao mandato de prefeito mais de um candidato, a disputa esteve mesmo entre José Fernandes Pedral Sampaio, candidato da coligação PSD/MTR, e Jesus Gomes dos Santos, candidato da coligação UDN/PRP. Dr. Hugo de Castro Lima, apesar do grande prestígio que gozava na cidade, candidato do PTB, não conseguiu ampliar sua candidatura, e Jorge Stolz Dias, que houvera sido barulhento prefeito numa interinidade, candidato pelo PSP, não tinha expressão eleitoral suficiente.

Aquelas eleições culminavam um processo de divergências acentuadas entre grupos. Já em 1954, não fora fácil ao grupo de Gerson Sales viabilizar a eleição de Edvaldo Flores. Contra este insurgiu-se mesmo uma parcela do PSD, que resolvera apoiar a candidatura de Nilton Gonçalves, candidato com discurso populista. Foi a campanha do “Tostão contra o Milhão”, que tanto marcou a década de 50 em Vitória da Conquista. O “Tostão” era Nilton Gonçalves e o “Milhão” era Edvaldo Flores. Deu “Milhão”. Em 1958, Gerson Gusmão Sales, que havia sido prefeito, pretendeu voltar ao governo, sucedendo seu correligionário Edvaldo Flores, e conseguiu. Em disputa contra José Fernandes Pedral Sampaio, Gerson foi eleito prefeito de Vitória da Conquista. Então, Gerson já não estava mais no PSD. Candidatara-se pela UDN. Pedral fora candidato pelo PSD. O resultado numérico das eleições demonstrara que Gerson Sales ainda tinha muito peso eleitoral. Conseguira 7.320 votos, contra 5.432 de José Pedral. Mas a votação de Pedral fora expressiva.

A oposição foi retomando seu curso de crescimento. Na câmara, despontava Alberto Farias, vereador que fazia uma oposição combativa. O jornal “O Conquistense” (título que antes pertencera à situação), passou a ser veículo de aglutinação de forças. À medida que iam se aproximando as eleições de 1962, a situação foi se complicando para Gerson Sales. Este e seu grupo optariam por tentar dividir a oposição. Finalmente, o candidato apresentado pelas forças “gersistas” foi um vereador que houvera militado na oposição: Jesus Gomes dos Santos, poeta. Sim, o poeta de “Maria Gabiraba” e da “Procissão”, poesias que lhe causaram dor de cabeça durante as eleições, por seu conteúdo social.

Pedral era a expressão de transformações profundas por que passava Conquista. Já não era mais uma cidade marcada exclusivamente pelo latifúndio. O urbano já predominava, o comerciante crescia, cidadãos de outros municípios chegavam e se afirmavam, e Conquista ia se consolidando como um pólo regional. Com a diversificação econômica e novos agentes sociais, a história começava a mudar. José Fernandes Pedral Sampaio vencera o pleito com ampla margem de votos, considerando-se o número de eleitores da época. Foram 2.384 votos de diferença em relação a Jesus Gomes dos Santos.

O novo prefeito inicia seu governo municipal numa fase agitada da história do país. Desde a posse de Jânio Quadros na presidência da República a situação agravara-se. Era evidente que a crise não era apenas institucional. Era algo bem mais profundo. João Goulart, vice-presidente, substituto legalmente previsto de Jânio Quadros, só conseguiu tomar posse após forte reação aos militares que pretendiam dar um golpe de Estado. Surgiu uma solução: o vice-presidente assumiria o cargo de presidente da República sob um sistema parlamentar. Antiga proposta de emenda constitucional adotando o parlamentarismo foi desengavetada e aprovada. João Goulart assumiu a presidência e depois conseguiu, via plebiscito, retomar o sistema presidencialista. Nesta ocasião Jango propõe as “Reformas de Base”.

Em Vitória da Conquista, as idéias de “Reformas de Base” alcançaram repercussão. Na década de 60 eram aqui discutidas e fizeram-se acompanhar de movimento mobilizador. Os bancários realizaram greve. Os pedreiros fundaram seu sindicato. Os estudantes organizaram seus grêmios e passou a haver certo movimento estudantil.

A polarização nacional repercutia em Vitória da Conquista e aqui se acentuou quando João Goulart assinou o decreto da Reforma Agrária, tímida medida de desapropriação de áreas ao longo das rodovias federais. A medida motivou muitos protestos e, em Vitória da Conquista, políticos de oposição a Jango e fazendeiros reagiram. Ruy Medeiros registra a realização de uma grande reunião de fazendeiros no Cine Conquista, cujo principal orador foi Íris Silveira, que chegara a ser prefeito de Caatiba, quando da emancipação do povoado em 1960. Bradavam contra João Goulart e suas propostas reformistas. E, naturalmente, contra os comunistas. Os discursos dos oradores diziam mais que o simples descontentamento com a reforma agrária trombeteada, apesar de tímida em sua proposta oficial.

Os derrotados nas eleições de 1962 ainda viviam o desconforto da derrota. Não a aceitavam. Parecia-lhes absurdo a perda do poder local. Na imprensa, com o jornal “O Sertanejo”, e na câmara, com os vereadores da UDN e do PTB, desenvolviam a oposição, quer à administração local, quer às reformas pretendidas.

Em 1º de abril veio o golpe. Em Vitória da Conquista era chegada a hora da "desforra" (no dizer de Ruy Medeiros). A quartelada era também uma oportunidade para a vindita. Os Gusmão, derrotados pela coligação liderada por Pedral Sampaio, começaram desde cedo a luta. Na Câmara Municipal, no trabalho pró-ditadura e anti-Pedral, destacavam-se principalmente os vereadores Gil Moreira e Orlando Leite.

O caminho até maio foi difícil, mas aquele terrível mês de maio chegou. O golpe estimulou o reacionarismo do jornal “O Sertanejo”, dirigido por Pedro Lopes, e dos vereadores da UDN e do PTB, que falavam em “incorporar Vitória da Conquista aos fatos nacionais recentes”. Ou seja - para ser claro - o golpe deve agir mais intensamente no município, é o que queriam dizer. Depois, abertamente, sugerem e aprovam o convite para que aqui venha apurar fatos uma comissão dos "novos" senhores do poder. Além do dr. Gil Moreira e de Orlando Leite, destacavam-se, na agitação a favor da ditadura, os edis Misael Marcílio e Virgílio Ferraz. Queriam o afastamento de Pedral e de vereadores ligados a ele, como Péricles Gusmão Régis, que será morto.

Com essa visão, os vereadores pró-ditadura fizeram aprovar na Câmara Municipal uma proposição convidando a 6ª Região Militar para uma visita ao município “para apuração de fatos”, sem especificar a que fatos se referiam. E então desembarcou na cidade, no dia 5 de maio de 1964, a força-tarefa repressiva comandada pelo capitão Antônio Bendochi Alves Filho, com seu ônibus do terror, estacionado na Praça Rio Branco, no centro da cidade. A delação, que cresce nesses momentos, economizou esforços do capitão. 

Já no dia seguinte, 6 de maio, as prisões tiveram início, auxiliados pelo despudor da delação. Para um ônibus, estacionado na praça Barão do Rio Branco, no centro da cidade, eram conduzidos os prisioneiros. Dali foram levados às celas do Batalhão de Polícia (o ex-9º BPM), onde eram interrogados, respondendo a IPM - Inquérito Policial Militar, sob supervisão do sr. Antonio Bendochi Alves Filho, capitão do Exército.

Nesses primeiros dias, tendo o ônibus da Praça Rio Branco como quartel-general e centro de triagem, foram presos, entre outros, Aníbal Lopes Viana (jornalista e suplente de vereador), Franklin Ferraz Neto (juiz trabalhista), Gilson Moura e Silva (radialista), Hugo de Castro Lima (médico), Ivo Vilaça Freire de Aguiar (funcionário público), José Fernandes Pedral Sampaio (engenheiro civil, prefeito), Péricles Gusmão Régis (vereador), Raul Carlos de Andrade Ferraz (advogado), Reginaldo Santos (diretor do jornal “O Combate”) e Vicente Quadros Silva Filho (radiotécnico).

Depois, foram presos Everardo Públio de Castro (professor) e seu filho Nudd David de Castro, Anfilófio Pedral Sampaio (funcionário público e suplente de vereador) e Camilo de Jesus Lima (escritor e oficial do Registro de Imóveis), este preso em Macarani e transportado para Vitória da Conquista. No próprio dia 6, por determinação militar, a Câmara de Vereadores cassou o mandato do prefeito e empossou no cargo o vereador Orlando da Silva Leite, que seria eleito formalmente, pela Câmara Municipal, prefeito, em junho. Em 13 de maio de 1964, um dos presos, Péricles Gusmão Régis apareceu morto na cela onde fora aprisionado. Sua morte não foi bem explicada e a informação oficial (que aparece em seu registro de óbito) é a de suicídio. É possível que tenha sido assassinado. Um dos presos na época relata que ouvira de um companheiro de cela a informação de que havia ocorrido luta corporal entre Péricles Gusmão Régis e o capitão Bendochi Alves Filho. O primeiro parente a ver o corpo nú de Péricles estranhou a grande quantidade de hematomas e de cortes e ficou com a impressão de que Péricles tenha sido torturado, amarrado com fios metálicos finos que o cortaram quando tentara desvencilhar-se. Os cortes teriam sido provocados pelo fio, e não pela lâmina de barbear encontrada na cela.

O grande cortejo fúnebre de Péricles Gusmão Régis não foi simples homenagem ao morto. Aí estava presente o profundo sentido de protesto: protesto, pesar e homenagem.

Dentre os presos, Camilo de Jesus Lima, Franklin Ferraz Neto, José Pedral, Raul Ferraz, entre outros, foram transferidos para Salvador, onde permaneceram respondendo a IPM. Seriam liberados depois, demorando mais o professor Everardo, que ficou onze meses e que seria o único formalmente condenado por crime político, em razão do referido IPM, retornando anos depois à prisão. José Pedral teve seus direitos políticos suspensos por 20 anos, quando da edição do Ato Institucional nº 2 pela ditadura militar.

COLABORAÇÃO: Delano Andrade da Silveira, Salvador-BA

Um comentário:

lidice disse...

Querido amigo Esaú,importante reescrever que o único preso durante um ano nas dependencias do 19º Batlhão do exército em SSA,foi Pedral Sampaio prefeito e seu irmão Anfilófio Pedral Sampaio,poe razões de segurança...muito interessante o relato de Danilo,mas acho que ele deveria ouvir quem está vivo e pode contar melhor os fatos...abraços..