terça-feira, 26 de março de 2013

Florisvaldo e o estelionato

por Nadjara Régis

nadjara-150x150Drª. Nadjara Régis – Advogada

O debate acendeu; e ascendeu: qual contrapartida social é esperada nos eventos patrocinados pelo poder público? Sendo a União referência em normatização para a maioria dos estados e municípios, então, é da esfera federal que extraio a definição de patrocínio. No governo federal, este assunto é da competência da Secretaria Nacional de Comunicação da Presidência da República (Secom-PR) que, por meio da Instrução Normativa Secom-PR Nº 01, de 8 de maio de 2009, no seu artigo 2º, inciso I, define o patrocínio como “apoio financeiro a ações de terceiros com o objetivo de divulgar atuação, fortalecer conceito, agregar valor à marca, incrementar vendas, gerar reconhecimento ou ampliar relacionamento do patrocinador com seus públicos de interesse”. A Secom-PR ainda destaca na sua página na Rede Mundial de Computadores (Internet, link http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/acoes-e-programas/patrocinio/): “O patrocínio é, de modo geral, uma parceria que beneficia os dois lados. O patrocinado recebe os investimentos para financiar custos próprios ou viabilizar seus projetos. Em troca, o patrocinador recebe direitos de compartilhamento da sua marca com a do grupo patrocinado, em eventos, campeonatos, uniformes, peças publicitárias, etc.”.
Enfim, o patrocínio é instrumento de propaganda institucional, nada mais que isso.

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Desde 2003, os órgãos da Administração Federal têm estipulado editais para a seleção de projetos e fomentado outros meios de transparência para facilitar a fiscalização do dinheiro público e sua destinação menos dependente de apoio político. Ainda assim me surpreendi ao conhecer a Portaria Secom-PR nº 80, de 18 de novembro de 2010, pela qual o governo federal estabelece o Regimento Interno do Comitê de Patrocínios. O órgão é formado por representantes dos Ministérios, das Secretarias com status de Ministério e dos demais entes da administração pública indireta e tem entre seus objetivos estabelecer a política de patrocínios (unificando os critérios de avaliação das atividades patrocinadas), apoiar propostas de patrocínio integradas a políticas públicas, democratizar o acesso aos recursos de patrocínio, estimular as melhores práticas de patrocínio, promover a transparência, dentre outros bastante auspiciosos. Mas somente solicitações de patrocínio superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais) são submetidas a avaliação deste comitê.

A maior parte dos municípios e estados, no entanto, sequer vislumbra a necessidade de estabelecer regras para a concessão de patrocínio governamental. Com isso, impera na decisão a discricionariedade do gestor da pasta em que o projeto foi analisado, bastando-lhe reconhecer que a atividade patrocinada não ofende o interesse público e observar se o patrocinado está apto para contratar com a administração pública.

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O patrocínio governamental não é vedado a atividade destinada a público pagante. Assim também o incentivo cultural, conforme expressa a Lei 8.313, de 1991, que cria o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), em seu artigo 2º:

“§ 1º Os incentivos criados por esta lei somente serão concedidos a projetos culturais cuja exibição, utilização e circulação dos bens culturais deles resultantes sejam abertas, sem distinção, a qualquer pessoa, se gratuitas, e a público pagante, se cobrado ingresso.(Redação alterada pela Lei nº 11.646, de 2008)

§ 2º É vedada a concessão de incentivo a obras, produtos, eventos ou outros decorrentes, destinados ou circunscritos a coleções particulares ou circuitos privados que estabeleçam limitações de acesso. (Incluído pela Lei nº 11.646, de 2008)”

Da leitura desses parágrafos, vê-se que, no entendimento do legislador, a estipulação do ingresso não caracteriza limitação de acesso. Essa mesma lei, em seu artigo 3º, apresenta um extenso rol de critérios que, ao menos um deles configurado, autoriza a concessão do incentivo cultural. Um dos critérios, por exemplo, pode ser – ou não ser – a “distribuição gratuita e pública de ingressos para espetáculos culturais e artísticos”.

Observamos, também, que não há lei ou nenhum outro instrumento de normatização que crie a categoria do ingresso popular como critério para apoio cultural ou patrocínio.

É por isso que o espetáculo Auto da Catingueira, de autoria de Elomar Figueira Mello, pode ter o apoio cultural do governo do Estado independentemente de cobrar ingressos orçados em R$ 70,00 (setenta reais).

Florisvaldo e o estelionato

Em A dor de cada um no colo de quem: correlato ao adiamento do espetáculo Auto da Catingueira, publicado no Blog do Fabio Sena, abordo, justamente, a ausência da exigência de contrapartida social aos espetáculos ou eventos patrocinados ou apoiados culturalmente pelo Estado.

Onde há dinheiro público há gente aguardando que um direito chegue a sua porta, alcance um filho, faça um esforço, e, assim, realize o direito de mais outro filho… Ao falar metaforicamente de “estelionato” o vereador Florisvaldo Bittencourt, líder do governo, alcançou, a meu ver, o cerne. Cadê a verve do dinheiro público?

Tem faltado criatividade, desenvoltura, elaboração, eficiência, enfim, é preciso respirar o Estado Social de Direito em todos os poros da atividade pública. Sabe por quê? Porque a construção da responsabilidade social na iniciativa privada não é um movimento voluntarioso, é um movimento provocado. Afinal, é contraproducente uma defesa tão lacônica e calculista como a formulada pelo Presidente da Cooperativa Mista Agropecuária de Vitória da Conquista – Coopmac, ao dizer: “Ou a gente tem ingresso e tem exposição ou não tem ingresso e não tem exposição”. O setor público tem, uma vez que se faz parte, que criar as condições para persuadir a iniciativa privada à responsabilidade social. E esse movimento cultural só se realiza se os próprios agentes públicos estiverem embebidos da necessidade de desburocratizar, identificar conflitos, exercer a mediação para realizar direitos em, cada vez, menos tempo.

O modelo do Estado burocrático, sem criatividade, sem mediação, sem identificação do conflito está falido. Não serve a uma sociedade que deseja autoestima, que deseja superar-se, que enseja realizar um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 3º, III, da Constituição Federal, que é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

É possível aprimorar a aplicação do dinheiro público em patrocínios e apoios culturais, para que esses instrumentos repercutam na execução de políticas públicas e para que, exigindo-se mais, os patrocinados passem a ofertar propostas mais atraentes ao patrocínio ou apoio cultural governamental.

O legislativo de Vitória da Conquista está de parabéns ao repercutir esse debate.

FONTE: Blog do Fábio Sena

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