O etimologista estava tomando chope no Amarelinho e pensando nas fantasias que havia de inventar para o Carnaval que se aproxima quando ouviu o estrondo e tudo tremeu.
– Caiu um edifício! – gritou alguém.
Vinha dos lados do Municipal uma nuvem de poeira fina, parecendo lunar, a cobrir carros e turvar a atmosfera. As luzes dos postes boiavam fantasmagóricas dentro dela. O etimologista ficou em pé sobre sua cadeira.
– Aedificium – pontificou – é o que foi edificado. De aedificare, aedis + facio, ou seja, casa + fazer: casafazer, fazer casa!
Ninguém lhe deu bola, evidentemente. Pessoas corriam de um lado para o outro, vozes se entrecruzando confusas, abafadas. Mesmo quando perplexas ou em desespero, abafadas: até o ruído do mundo parecia embaçado pelo pó verde e frio. Aqui e ali, destacava-se um grito de dor. Ouviu-se o som aquático de uma sirene.
Com a sanidade inteiramente desmoronada, o etimologista desceu da cadeira, sentou-se e ficou resmungando sozinho, nariz quase enfiado na tulipa meio vazia:
– Aedis é base, pouso, ninho, residência. Como em edícula: edícula é casinha! Junte-se a isso o facio, facere, e está feito: fazer, fabricar, executar, cumprir uma ordem, dar forma a um projeto. Facio, matriz do fato e da fazenda, do ofício, do magnífico e também do malefício.
– Caiu um edifício! – gritaram de novo.
Porque na hora pensou-se que fosse um. Quem seria doido de imaginar três, se um já era o fim da picada? Nem mesmo o etimologista.
FONTE: Veja
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