sábado, 19 de fevereiro de 2011

MINHA JAQUEIRA

por Pedro Macuco

Na minha terra, ainda menino, aprendi a admirar pessoas, bichos, árvores. Amava andar nas ruas, sem compromisso com nada, coisas de garoto. Vivia olhando o rio da cidade, suas águas mansas e sem pressa de correr para encontrar o azul do mar. Era um tempo, como diria Chico Buarque na canção Todo o sentimento, “um tempo da delicadeza”. Era assim, entre a escola que me ensinou o bê-a-bá da vida e minha casa, que eu andava pra lá e prá cá, jogando futebol com os amigos de outrora e admirando as coisas. Podia ser um ônibus que ligava minha cidade ao mundo ou um velho cacaueiro com seus frutos doces e de ouro. Foi naquele tempo, aquele da delicadeza de Chico, que pude viver os melhores momentos da minha vida. Quando nada me preocupava, a não ser trocar a comida do passarinho na gaiola ou estudar para finalmente aprender as quatro operações matemáticas, um problema que me persegue até hoje.


Pois bem, amigos. Naquela época, que há muito dobrou a esquina do tempo, eu li meu primeiro livro. O meu pé de laranja lima de José Mauro de Vasconcelos. No livro infantil Zé Mauro conta a história do menino Zezé que conversava com o pé de laranja lima plantado na casa em que a família dele passou a morar. Eu sempre fui de conversar com bichos: cachorros, passarinhos e gatos mas jamais troquei um dedinho de prosa com um pé de pau. Mas tinha uma árvore, numa roça bem pertinho da cidade, que me encantava. Era uma jaqueira, frondosa, alta. Os bagos das jacas adoçavam meu paladar nas tardes de vadiagem e hoje encharcam de saudade a minha lembrança. Coisas de um cara que nasceu para o saudosismo e com ele deve morrer, qualquer hora dessas. A jaqueira, por decisão única e exclusivamente minha, passou a ter dono e você já deve imaginar quem fez reforma agrária, por conta própria naquele pequeno espaço, não é mesmo?

A vida me afastou daquela jaqueira e de muitas outras coisas ao longo do tempo. Hoje, passados mais de 30 anos, não sei mais daquela jaqueira, nunca mais voltei lá naquela roça, deixei de lado os banhos de rio, as caminhadas por dentro das plantações de cacau e deixei, por tomar consciência, de prender passarinhos na gaiola. Nunca mais provei daqueles bagos inesquecíveis de uma jaca cheia de simbolismo e lembranças na minha memória. Contei essa história depois de encontrar na internet a foto de uma jaqueira que parece a minha, se é que há alguma jaqueira diferente da outra. Hoje, sentado em frente ao computador, lembrei da minha jaqueira e, por tabela, de tantas outras coisas que fizeram parte da minha infância. Árvores, bichos, pessoas. Minha escola, minha casa, minha rua. Uma jaqueira mexeu comigo nesta noite de sábado. Vá entender...

Vitória da Conquista, 19 de fevereiro de 2011.

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