quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Porque você não deve ser um deprimente voyeur

Pedro Porfírio
Enquanto é tempo, botar o dedo nas feridas é bom

Bicudo: o grito que estava parado no ar

“Quem continuará mandando no país vai ser Lula. Dilma diz que ela é o Lula. Então as coisas continuarão como estão, com a mesma corrupção, o mesmo manejo da coisa pública”.
Hélio Bicudo, 88 anos, fundador do PT e ex-vice de Lula.
Mais do que a perspectiva de uma vitória da candidata oficial, preocupa-me e a muitos brasileiros lúcidos a carga explosiva que a reveste ostensivamente, em meio a inércia chocante de formadores de opinião e pessoas de um certo nível de informação, extasiados pelo ambiente inebriante que contamina a atmosfera política.

Decididamente não estamos diante de um processo eleitoral limpo, balizado pelas clássicas regras de uma república democrática. Nem tampouco contemplamos a possibilidade de uma revolução social, embasada no conflito de classes, na potencialidade de uma mudança estrutural.
Nesse ponto, erram infantilmente os eternos prisioneiros das paranóias ideológicas, para os quais a facção governante intenciona pôr o Brasil na ante-sala do comunismo. Ao contrário, e nisso erram também muitos esquerdistas, o processo em curso em nosso país guarda um parentesco mais próximo com a peripécia nazista na Alemanha, que fez de um simples pintor de paredes, ex-cabo do Exército, nascido na vizinha cidade austríaca de Braunau am Inn, o maior ídolo de sua história.
Sob a égide da idolatria autoritária
Aqui entre nós, desatentos atávicos, engendra-se um modelo igualmente sustentado pela idolatria cega, geradora de novos códigos interpretativos e de fantasias tóxicas de fácil enraizamento no tecido social como um todo.
Poucos são os que percebem o alcance ameaçador desse novo poder que mescla interesses contrários na formatação de um modelo aperfeiçoado de autoritarismo personalista, de âmago conservador e reacionário, tão sofisticado que produz a assimilação contente das massas convertidas num rebanho acrítico e envenenado pelas migalhas homeopáticas servidas como se fossem as ervas do paraíso.
Mais do que um projeto político de premissas sociais, o que se gesta no Brasil, a partir da afirmação de uma liderança inteligente, mas de formação primária, vaidades, pactos e ambições incomensuráveis, é um “estado novo” modernoso, fundado na cristalização do patrimonialismo escancarado, capaz de seduzir potenciais contendores e cimentar uma arapuca inexpugnável e longeva.
A batalha deste três de outubro é apenas uma etapa de um projeto que se pretende inesgotável e hegemônico, em função do qual se dissemina o embuste do velho clichê, que absolve os meios imorais e ilícitos quando os fins são vantajosos e co mpensadores.
A ditadura civil na incubadeira
Tal percepção assalta hoje a próceres de conduta ilibada, como o veterano Hélio Bicudo, que jamais poderá ser alcunhado de golpista, sob pena do mais estúpido ridículo. Fundador do PT, a quem agregou seu histórico de coragem, sabedoria e dignidade nos idos adversos, o ex-vice de Lula no pleito paulista de 1982 encabeçou um manifesto de grande alcance histórico, com assinaturas como as de Dom Paulo Evaristo Arns, Therezinha Zerbini (líder do movimento pela anistia e fundadora do PDT com Brizola), Miguel Reali Jr, José Carlos Dias e Leôncio Martins Rodrigues, cujo móvel é a constatação de que “hoje, no Brasil, inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático”.
Lembrado por seu combate aos “esquadrões da morte” na década de setenta, Hélio Bicudo já pressagia o mergulho do país numa ditadura civil, como em entrevista à A Gazeta On Line, transcrita na Folha de São Paulo: “o presidente da República ignora a Constituição, se acha acima do bem e do mal, e, com uma vitória que está delineada em favor da sua candidata, concentrará todos os poderes da República em suas mãos, além do apoio da maioria dos Estados e da população em geral. Com uma pessoa com esse potencial, e que não vê no ordenamento jurídico do país a maneira de estabilizar as discussões e debates, o Basil pode caminhar para uma ditadura civil, sem dúvida”.
Fiador da corrupção como arma do poder
Sua verberação considera apenas os elementos explícitos de intervenções do presidente da República em confronto com a liturgia do cargo, em particular o proselitismo no corpo a corpo das ruas, que o destitui da condição essencial de um chefe de Estado maduro.
De fato, ele e seus parceiros de manifesto não disseram da missa um terço. Muito mais grave do que a panfletagem grotesca no exercício do cargo de presidente de todos os brasileiros tem sido suas práticas fiadoras da corrupção, da cooptação e do arrivismo, protegendo da punição exemplar auxiliares pilhados em atos ilícitos e estabelecendo alianças que, sem exagero, podem se configurar como verdadeiras formações de quadrilhas – tudo para consolidar um poder pessoal negociável e um estado de tolerância híbrido, ardiloso e sorrateiro.
Tem sido anestesiar pelo favorecimento com dinheiro público os movimentos sociais, entidades como a UNE e os sindicatos, enquanto utiliza uma grande rede de organizações não governamentais subsidiadas para o enquadramento da sociedade numa pasmaceira inerte e abjeta, enquanto fabrica novos milionários amigos e transforma a atividade especulativa do grande capital numa cartola dourada que faz a festa da plutocracia.
A tragédia do triunfalismo acrítico
Entre os muitos interlocutores na internet, deparo-me com todo tipo de partidário, preocupando-me muitas mentiras e baixarias, espargidas como se elas pudessem incluir-se vitoriosas no conflito sem pudor que denigre a potencialidade de uma sociedade sem peias.
Mas outro dia tive a curiosidade de perguntar a um internauta panfletário qual a sua idade. Surpreendeu-me saber que ele tinha 56 anos e era advogado civilista em Santos. Não podia imaginar que alguém da sua vivência e da sua cultura fosse tão rasteiro no seu triunfalismo acrítico, dedicando-se a cada hora a disparar e-mails sobre a inutilidade de qualquer posição que não fosse de loas à candidata oficial, cuja gestação por si já foi mais do que um desacato às práticas do seu atual partido: foi um atestado de óbito no que os batedores dessa agremiação proclamavam como virtude pétrea e exemplar, a escolha a partir ou com a audiência das bases.
A partir dele – e de outros “articulistas” contumazes – todos com pretensos matizes de esquerda, deparei-me com a tragédia do adesismo, muitas vezes sob impulsos de puras paixões, sem qualquer vantagem pessoal. Vi claramente a supremacia dos elementos subjetivos colaterais sobre os fatos concretos, ostensivos, emblemáticos.
Ao longo da minha vida jamais poderia imaginar que a cidadania sofresse de um mal crônico – o das torcidas de futebol, que xingam o juiz quando prejudicam seu time, mas que o aplaudem freneticamente quando o favorecem.
Esse acumpliciamento erógeno poderá ser o fermento da grande tragédia institucional por vir. Uma tragédia que vai levar em sua torrente muitos dos que hoje participam da orgia de um poder infectado pelos vírus da trapaça ou simplesmente se saciam fora dele como incorrigíveis voyeurs.
Pesquisa do PORFÍRIO LIVRE surpreende: Serra tinha 51% dia 27, às 21 horas.
Às 21 horas deste dia 27 de setembro, o resultado da pesquisa do meu blog www.porfiriolivre.info me surpreendia. Serra tinha 51% das indicações e Dilma estava em terceiro lugar, com 15%. Você tem até sábado para votar. O programa do blogspot me parece seguro, isto é, ele detecta o ip de um computador, evitando que uma mesma pessoa vote duas vezes desse endereço.
Serra: 114 (51%)
Marina: 42 (19%)
Dilma: 34 (15%)
Plínio: 19 (8%)
Outros: 6 (2%)
Ninguém: 5 (2%)

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